Costumava



As primeiras impressões são as derrocadas da vida. Você vai chegando mais e mais ao encontro de tantas noites especuladoras em seu coração sonhador. Não mais tantas, são apenas uma. É hoje. Depois é amanhã. Você sabe que quer e você vai. As mesas espalhadas pelo céu estrelado, o calor humano transcendendo o som da virtude, a bebida pronta para arranhar gargantas com beijos de fogo frio. O bate e vai das caras antigas de minutos passageiros. Todos estão lá e todos além do mundo conhecido. Você pede o seu pedido. Derrete o frio das entranhas e se prepara para o inferno que a madrugada prepara tão carinhosamente. Mas você não quer carinho. Você quer algo um pouco mais porque hoje está demais de menos do que você gostaria. As brigas em sua alma, os tapas na cara, o azedume do passado. Você costumava dar beijos de pura entrega. Hoje que se danem os cafunes; que venham, apenas venham. Venham venham venham venham... E alguém vem. De aparência tanto faz, mas você não é tanto faz. Um primeiro não fará sua noite. Você dá a carta de derrota e segue a passagem. Chegam mais tantos. Um para cá, um para lá, todos desmerecedores. Cadê? Você olha ao redor e vê. Nem espera a chegada: é você quem chega. E as coisas simplesmente vão. O olhar. A conversa. O bafo. A mão. A puxada. O beijo, mascado dentre uma mordida. Vão, vão, vão. De repente, se arrepende. Larga a mão, puxa o ar, empurra o hálito para fora. Só vai, vai, vai. Costumava ser uma menina. Chorona, debruçada entre dores e paqueras. Hoje é uma mulher. E o sabor nunca foi tão amargo. Você gosta e volta. E volta. E volta. Volta. As noites são as primeiras impressões da derrota. Os lençóis sujos, a calcinha de seda rasgada. O ato animal. Quem? É só mais um quem. Tanto faz. À noite, todos parecem os mesmos com suas dores e desprazeres, com suas caras bêbadas no bar mais próximo. A onda te leva e você só vai e gosta, aproveita o amargor. O refluxo segue a se repetir. Cansada. Costumava ser melhor do que isso. Costumava beber menos do que isso. Costumava fumar menos do que isso. Costumava mais do que isso. Animal. Frio quente descendo a garganta, a loucura da sedução, a captura, o chupão, o ato, o prazer, o desprazer, a retomada carnal da vida. Costumava ser uma garota e agora: eis a mulher, forte, dominante, cheia de si. Costumava haver algo mais. Vem o carnalismo. Costumava ser diferente. Desolhares. Costumava só costumar, costurar um coração remendado de anos e anos de uso. Costumava dançar sozinha. Costumava ter calor. Ainda é quente, quase fervente. E lá vem o calor. Costumava ser melhor. Costumava. Costumava e amava. 

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