Problema

Talvez eu tenha achado o problema. Aquele velho problema que me impede de escrever, de sentar e ler um bom livro, de abrir uma janela de ar e deixar uma conversa inusitada percorrer os arredores. O problema que não é marcado com um grande X vermelho, portanto difícil de ser achado. Aquele Problema. O Problema que me impede de amar novamente, de ser romântico, de ser sincero com meus sentimentos. 

Que não me deixa ser feliz.

Que não me deixa em paz.

Que não me permite.

Que não me deixa.

Que não vai embora.

O Velho Problema, sentado em sua cadeira de balanço, balançando suas correntes de destruição naquilo que chamo de vida, rindo enquanto aprecia o caos. O Não Tão Velho Assim Problema, que sempre se repete porque eu nunca aprendo. O Problema Problemático que faz do meu ser asilo e estação, um Problema que eu tendo sempre a enxergar mas nunca ver de fato. Nunca lidar, nunca tentar. Sempre ali, gargalhando de meus fracassos pessoais: o amor que foi me dado e me foi tirado; as longas horas de conversa pela madrugada afora, os prazeres espirituais de amar; a incapacidade de dizer que amo; a incapacidade de ir além. A risada ecoa forte nas rimas clichês da vida.

"Quantas vezes tive meu eu machucado?" acabo me perguntado todos os dias antes de dormir, buscando uma solução para minha insônia peculiar. Repenso e relembro. Ela vem, depois ela, e depois ela, e depois ela... Baixo a lista de depoimentos policiais. Os boletins de ocorrência. Levo todas para uma sala extensa, cada uma segurando uma placa de identificação. A sala é fechada e as observo por uma janela de vista única. Eu as observo, mas elas não sabem de fato que estão sendo observadas. Minha visão tende a me enganar e peço ajuda de um oculista. Ele me receita novos óculos. Ainda vejo as coisas embaçadas e tenho que cancelar a grande "festa". O cenário ocorre mais e mais vezes, sempre com um novo par de óculos. Uma vez ganhei até um novo sorriso, praticamente uma dentadura. Quase recebi outro rosto, porém ficaria muito caro. Mas uma vez, a última, o oculista não veio. Nem o oftalmologista. Nenhum médico, nenhum cirurgião. Havia apenas um senhor gargalhador segurando um espelho. Ele ria enquanto a minha imagem refletida balançava para cima e para baixo por causa da cadeira. Finalmente notei o que havia de errado e pedi para os seguranças um telefone. Arranjei-me novos óculos, especiais, e tirei o espelho das mãos do senhor. As risadas pararam logo após. Observei o eco do meu ser no vidro sujo e percebi onde estava o problema. Lógico. O problema sempre havia sido eu. Não importa o que havia acontecido. Lembro dos advogados delas dizendo que as coisas assim são e que eu não poderia culpá-las de nada além do que fizeram, do que realmente havia acontecido. O restante do estrago foi feito por mim mesmo. Eu que quebrei as prateleiras do meu domínio. Eu que fingi ser poeta e aumentei minha dor. Eu que culpei a todas e todos sem me incluir na lista. Eu que havia envelhecido 70 anos ou mais e agora ficava sentado rindo da insolência das minhas ações passadas. 

Não havia esperança mais além daquela que eu mesmo injetava. A esperança escrita era sempre uma esperança morta, falsificada. A verdadeira esperança é ser. É sair. É ter a coragem de fazer aquilo que é racionalmente errado. É lavar as feridas com sal grosso e água de mar. É não se limitar a desculpas fajutas para não viver e não se machucar. 

A verdadeira esperança está em escrever, em não perder o tom. Em deixar sair aquilo que precisar, em limpar a dor com sinceridade, com música, com afeto. Com açúcar e canela. É olhar para o horizonte às 5h45 da manhã e apreciar um novo dia. É respirar fundo, se acalmar. Aproveitar o tempo e desperdiçá-lo num momento que toque profundamente seu espírito. É se deixar apaixonar mesmo que não dure. É não usar máscaras falsas, sorrisos falsos, palavras falsas, olhares falsos. É parar de tentar ser e apenas ser.  É a solução do problema, é o caminho de tijolos dourados rumo à casa. É escrever para libertar sentimentos reprimidos e escrever por pura vontade artística de ser. 

É o meu amor voltando a ser amor.

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