Ecos à noite



A noite parece um parque de indagações. Enquanto a maioria se encontra em terras distantes e imaginárias, e alguns se encontram embriagados, eu me encontro inconformado e pensativo com tudo e todos que tiverem a oportunidade de passar pela minha mente. Os livros no banquinho que chamo de criado mudo, os livros na estante que nunca foram lidos, a coleção de filmes não assistidos, as perguntas nunca feitas, os relacionamentos que nunca existiram. A noite calada a não ser pela música transpassada pelos meus fones de ouvido. Eventuais carros quebram o silêncio e a serenidade das ruas e avenidas, mas não há ninguém para notar nem o antes e muito menos o depois. Somos o que somos e muitos são apenas aquilo que não são. Trocar a capa e manter a mesma história não faz ninguém acreditar que seja uma boa pessoa, a não ser através dos olhos do corpo. Os olhos da alma verão quem és, verão outono e inferno e primavera. E o vento bate, afaga e balança as janelas vorazmente, quem sabe na próxima investida não me leve refém de meus próprios desejos terrenos. Tudo treme, inclusive meu coração e meu eu, brincando pelo parque noturno das ideias sóbrias e peculiares. No meio de tudo, tento escrever, tento exercitar a já difícil tarefa que é botar sentimentos presos no cerne de quem sou, de quem somos, em significantes cheio de significados, ambiguidades, completudes, respostas. É um exercício complicado, cada expressão encontrada é um sucesso, uma conquista, um beijo de amor verdadeiro em um bar lotado. Mas para que escrever, sobre o que escrever? Escrevo talvez apenas pelo ato, escrevo apenas porque me dói se não o faço; sou mais incompleto do que antes, o abismo que em mim habita é maior e mais visível se eu não o alimento numa perspectiva negativa: quanto mais eu tiro, menor ele fica. Quem sabe não seja isso o que todos tentamos em situações diferentes. Para mim, a solidão afia o meu eu. Para quem mora ao lado, quem sabe o nada bem aplicado seja o remédio para os males; a ignorância reina absoluta dentre mares e oceanos de vida, apenas um ou dois rios não são navegados. Para quem está fora, quem sabe o calor de outros não satisfaça em mais de um sentido. De alguma maneira estamos sempre em busca de algo que preencha um buraco que parece crescer cada dia que se passa, cada conhecimento adquirido, cada amor amado e destituído de cargo. Se tento encontrar uma solução para tamanha tortura da existência em meio a nuvens mentais e ausência, sou apenas mais um que deve parar e pensar que raios estão caindo nas planícies do para sempre sempre nunca. Se amo, amo por ser quem sou, amo por quem és, e se sou amado e não correspondo, deveria enganar quem sou, sendo o que não sou, mentindo sentimentos para que o abismo de outro não seja ainda mais comprometido? Quem sou para alimentar a desilusão de outros seres? Talvez estejamos fadados a mesma dança eterna: eu vou, tu vais, ele e ela vão, todos dançam, todos se conhecem, todos se entendem, todos se encarnam, e todos logo vão-se. Digo que tudo são círculos e quem sabe não estamos sempre a dançar valsa, rodopiando pelo salão das ideias, preenchendo abismos, buracos e rachaduras com aquilo que parece mais correto, com aquilo que parece concreto, com aquilo que não pareça tão vulgar à nossa essência. Somos o que somos, somos o que nunca seremos: dançarinos da morte, tentando encontrar em cada parceiro, em cada dança, em cada música, cada som e palavra, um significado para a finita finitude de nossas vidas tão poucas e tão grandiosas. Amarguramos-nos quando as coisas não dão certo e sonhamos acordados com pesadelos do que poderia ser. Há coerência em sofrer por aquilo que não foi assim como há coerência em sofrer por amor? Deve haver se souber ler, se souber entender. Uma música toca, um abraço aquece, lágrimas derramam e a vida se esvai. Não há nada que eu possa fazer em minhas palavras a não ser afirmar o que é óbvio e ignorado. Mas quem, enfim, em consciência pura e honesta, com as velas acesas e os ecos notívagos rondando, quer saber da verdade que bate e bate na porta até que ela seja aberta e, ao fim, haja luz? 

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