Alugo-me



Procuro amor já sabendo que eu não me permito amar há muito tempo; vivo estagnado, como água propensa a dengue e outras doenças do coração, vivendo apenas uma ilusão de movimento sentimental só para que eu sinta, ao menos, um raio de esperança atingindo o fundo do poço. 

Em toda a oportunidade que tenho para revisitar um amor passado, fisica e emocionalmente, eu ignoro por completo as outras portas que eu poderia abrir e simplesmente volto atrás em todas as minhas decisões passadas porque parece ser mais confortável viver algo já experienciado do que me deixar entregar a um amor doado por uma pessoa que eu ainda nem conheci. Se por acaso eu a conheça, damos algumas risadas e, se possível, fico com os dois pés atrás, equilibrando meu corpo para que eu não caia de cara no chão.

Eu sempre caio com a porra da cara no chão. 

Pois essa é a realidade que eu não quero enfrentar. É a garota que diz que me ama mas que não consegue sair de casa quando quer por conta da mãe controladora. É a garota que mora a mais de 100km de distância e que eu não tenho dinheiro para visitar. É a garota que me chama para sair e, depois de uns encontros, as conversas simplesmente param. 

É o que eu faço: no primeiro sinal de problema, no primeiro alerta de qualquer coisa, corto todas as relações que me forem possíveis. "Desculpa, mas se você não tem tempo para mim, não acredito que possamos ter uma relação até porque eu acho que você está mentindo ao dizer que gosta de mim", "desculpa, mas eu não tenho 40 reais para pagar a passagem de ida e nem 40 para a passagem de volta, e, se você também não tem, que caralhos estamos fazendo aqui?", "desculpa, mas não senti nenhuma química, então como as coisas poderiam ser levemente físicas?". E depois vem o reino do Rei Silêncio, enterrando de vez um relacionamento que dava seus primeiros passos e que foi morto antes de aprender a andar sem ajuda, com a chupeta na boca e uma mamadeira na mão. 

Os amores são fluídos e transitórios (os matches no Tinder, as olhadas na rua e no ônibus, os encontros aleatórios dentro da universidade), e não sinto nada além do tesão e do fascínio do momento de encontro, deixado levemente amargurado após o ápice de felicidade por saber que cada encontro desses é uma terra infértil, onde nem o mato mais teimoso ousa crescer. 

Eu mato todas as possibilidades de amor futuro somente para reviver os amores passados, e vivo nesse ciclo há mais tempo do que gostaria. 

É como o diálogo da Princesa Leia com Han Solo mas sem orgulho: "eu te amo", ela diz, "que pena, você não deveria", eu respondo. Não quero amores novos, quero amores velhos sabendo que neles eu só acharei desgraça, infortúnios, sofrimento e conforto. Procuro constantemente esses amores velhos para que eu diga "eu te amo" e eu escute "olha, você é muuuuuuito legal, e totalmente quero você na minha vida até o fim dela, mas eu não te amo, então nada de beijo ou transa, tá certo?". 

Atiro para todos os lados no escuro já sabendo de antemão que todas as balas não ricochetear e me atingir no peito. Afinal, o que eu estou fazendo com a minha vida? Apego-me ao apego por pessoas que já tiveram moradia dentro das melhores partes de mim e esqueço que elas já se mudaram há muito tempo, sem chances de retorno. Crio expectativas em cada rabo de saia que me dê um sorriso ou ria de uma piada que eu faça. Porém sabemos como tudo isso acaba: eu, de cara no chão, em posição fetal, pensando "não dá para ficar pior". Sempre dá, meu caro, e logo mais chega uma terça de manhã em que você percebe que viveu sete anos de sua vida mantendo um quarto arrumado e limpo para uma pessoa que nunca vai te amar enquanto ignora outras possíveis moradoras, se abastando de desculpas idiotas para deixá-las longe de seu quartinho especial. 

Uma hora não é só a cara que está no chão, é a vida inteira, feita em cacos, em milhões de pequenos pedaços, e tenho que ir lá e resgatá-los, pronto para reconstruir uma vida que não pode ficar parada, incomodada por qualquer obstáculo, por qualquer chamada de néon "estou entrando na sua vida e quero ficar nela por tempo indeterminado, teria como liberar um quarto para mim? Já estou levando a minha bagagem". Como posso me deixar amar e ser amado se aparentemente não tenho cuidado algum com as coisas que faço a mim mesmo? 

Resgato-me do meu próprio caos e eis que trovoa uma terça de manhã e eu sei que preciso continuar a faxina que venho fazendo dentro do meu corpo, meu lar. Chega de olhar para as estantes e ficar remorando antigos momentos, antigos sentimentos. Tudo isso é apego material, apego passado, passado de mão em mão, dia após dia, sentido por todos nós pelo menos uma vez na vida. Decido por pegar mais algumas caixas e encho-as com todas as tralhas que sei que não farão mais a menor diferença em minha vida. Penduro alguns espelhos pelos corredores para me lembrar de quem sou, do que procuro, de quem eu almejo ser. Para me lembrar que dessa vez eu estou inteiro, mesmo remendado e colado. Entro e limpo cada quarto, cada sala, sala banheiro, até que dou-me conta que só falta um lugar para ser limpo. Meu quartinho especial. Entro nele mais uma vez e sei que chegou a hora. Retiro as bugigangas e os móveis, pinto as paredes de branco, troco a fechadura e limpo o chão. Ao sair do quarto, tranco a porta e bato um prego nela. Prendo, então, uma placa onde se pode ler


"Alugo-me, com possibilidade de venda"


e espero que, desta vez, eu não esteja mentindo.

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