AS MIL MÁSCARAS DE ARSÈNE LUPIN E DO GÓTICO: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O JOGO ELETRÔNICO PERSONA 5 E A LITERATURA GÓTICA (TCC)

 RESUMO

Este trabalho tem como objetivo demonstrar as relações existentes entre a construção de personagem no jogo eletrônico Persona 5, lançado no ocidente em 2017, e a construção de personagens no romance, em principal o romance gótico, demonstrando, assim, a presença do forte diálogo entre as duas mídias. Para isso, são considerados: os dizeres de Antonio Candido sobre construção de personagem no romance; os conceitos de literatura gótica e do duplo trazidos por Fred Botting, por Jerrold E. Hogle e por Sandra Guardini Vasconcelos; os conceitos de duplo literário trazidos por Carla Cunha em sua entrada no E-Dicionário de Termos Literários; os levantamentos históricos e literários de Robert Muchembled e de Vítor Manuel de Aguiar e Silva; e as teorias de Carl Gustav Jung sobre personas, sombras e inconsciente coletivo como arcabouço central para compreender o funcionamento do jogo e como se dá a imagem do duplo, elemento frequente nas obras góticas, dentro da narrativa desenvolvida na obra. O foco da análise será no protagonista do jogo, tendo como base características, internas e externas, da personagem e da narrativa, de forma a comprovar a proximidade do jogo com a literatura gótica.

Palavras-chave: Persona, videogame, gótico, personagem, duplo, diabo


ABSTRACT

This study has as main objective showing the existing relations between the characters development in the videogame Persona 5, released in the West in 2017, and the characters development in the novels, especially the gothic ones, demonstrating, then, the presence of a strong dialogue between the two midias. To achieve that, there will be considered: the sayings of Antonio Candido about characters development in the novels; the concepts about gothic literature and the double brought by Fred Botting, Jerrold E. Hogle and Sandra Guardini Vasconcelos; the concepts of the double brought by Carla Cunha in her entry about the subject in the E-Dicionário de Termos Literários; the historic and literary studies by Robert Muchembled and Vítor Manuel de Aguiar e Silva; and Carl Gustav Jung’s theories about personas, shadows and collective unconscious as the main studies to comprehend the game mechanics and how the image of the double, motif often found in gothic novels, is used inside the constructed narrative of the game. The focus of the analysis will be the game’s protagonist, using characteristics, either external or internal, of the character and of the narrative as argument to verify the proximity of the game with gothic literature.

Keywords: Persona, videogame, gothic literature, character, double, devil


   1 INTRODUÇÃO

Não é incomum encontrar jogos eletrônicos, popularmente conhecidos como videogames, que adaptam, continuam e/ou fazem referência a obras literárias e a suas personagens. Dois exemplos interessantes de grande sucesso comercial e de críticas especializadas são a série de jogos The Witcher, uma continuação dos livros escritos pelo polonês Andrzej Sapkowski (1948), e Metro 2033, uma adaptação direta do romance de mesmo nome escrito pelo russo Dmitry Glukhovsky (1979). 

É nesse contexto de relações entre a literatura e entre outros suportes narrativos que surge o jogo Persona 5, nosso objeto de estudo. Apesar de não ser uma adaptação ou continuação de nenhuma obra literária específica (como os exemplos supramencionados), traz inúmeras referências à literatura, em principal aos romances românticos, à literatura gótica e aos contos da personagem francesa Arsène Lupin, o gentleman cambrioleur, escrito por Maurice Leblanc (1864-1941) no começo do século XX.

Em Persona 5, o protagonista (controlado pelo jogador), é um adolescente japonês julgado culpado por um crime que não cometeu, sendo consequentemente expulso de sua escola. A partir dessa expulsão, muda-se para Tóquio para viver com um antigo conhecido de seus pais, bem como objetiva “levar a vida de um estudante honesto” (Figura 1) do segundo ano do ensino médio e não se envolvendo em polêmicas ou agindo de forma a chamar a atenção das autoridades. No entanto, caso isso aconteça, ele será preso e mandado para o reformatório juvenil. 


Figura 1 - Objetivos estabelecidos pelo jogo

Fonte: ATLUS, 2017


Em sua tentativa de se manter afastado de quaisquer problemas com as autoridades, o protagonista, enquanto caminha da estação de metrô para à sua nova escola em seu primeiro dia de aula, é transportado para outro mundo, chamado Metaverse. É nesse mundo fantástico, repleto de perigos e de terror que é despertado o poder de sua Persona, Arsene, uma entidade com aspectos diabólicos que o ajuda a enfrentar as criaturas malignas lá existentes, chamadas Shadows (“Sombras” em língua portuguesa).

Depois da manifestação de seu poder e de o protagonista ganhar a habilidade de entrar e sair do Metaverse quando assim quiser, alguns colegas de sala escolar o seguem e também despertam suas Personas. Com seus recém descobertos poderes, o protagonista e seus novos amigos se juntam e criam um grupo chamado Phantom Thieves of Hearts com a missão de roubar no Metaverse os corações corrompidos daqueles que lá habitam e de reformar a sociedade a partir do interior das pessoas. Durante o andamento da narrativa, mais pessoas, todas estudantes de ensino médio, unem-se ao grupo de ladrões, despertando suas Personas e lutando para “tirar o coração” de suas vítimas.

O protagonista deve, então, equilibrar suas duas vidas: a honesta vida de estudante que não age contra as autoridades e a vida de ladrão fantasma com grandes pretensões sociais enquanto usa sua Persona para enfrentar os perigos do Metaverse.

O que desperta a atenção, portanto, em Persona 5, são três premissas básicas: a) o diálogo que é estabelecido entre suas personagens com as personagens do gênero textual romance; b) os traços das literaturas gótica e romântica encontrados na construção da narrativa e dessas mesmas personagens, especialmente o protagonista; c) e a frequente referência a obras literárias em elementos da sua narrativa como algumas das Personas presentes no jogo (Zorro, Hécate, Milady, por exemplo) e os nomes de algumas personagens retirados da obra Frankenstein (1818), de Mary Shelley (1797-1851). 

Expostos tais fatos, esclarecemos que este trabalho parte dessas observações e das considerações teóricas e críticas de uma plêiade de pesquisadores. Em Hattnher (2010) estudamos acerca da adaptação e da literatura comparada. Para o professor, a perspectiva da ampliação das obras a serem comparadas nos estudos literários, incluindo aquelas que recebem a alcunha de “cultura popular”, 


[...] abre-nos as possibilidades de estudo comparativo de suportes não estritamente “literários” ou “canônicos”, tais como as narrativas gráficas, os videogames, as narrativas cinematográficas “não canônicas”, os fanfics e outros suportes (HATTNHER, 2010, p. 150).


Considera-se, assim, importante estudar e aprofundar as observações realizadas acerca do envolvimento entre os jogos eletrônicos e a literatura, demonstrando a relevância da literatura na linguagem dos videogames e de que maneira estes jogos podem incentivar, direta ou indiretamente, o ato da leitura e da busca por mais conhecimento literário por seus jogadores. 

Para alcançar esses objetivos será feita uma análise da construção do protagonista de Persona 5 usando como principal arcabouço teórico o ensaio “A personagem do romance”, de Antonio Candido (1918-2017), que considera os enredos e as ideias trazidas e pretendidas pelas obras literárias como pontos intrínsecos à criação de qualquer personagem de romance. 

Na análise do enredo e da vertente narrativa serão levantados os estudos dos pesquisadores Fred Botting (1963), Jerrold E. Hogle (1948) e Sandra Vasconcelos sobre a literatura gótica, corroborando a visão gótico-romântica estabelecida na elaboração da personagem analisada. 

Parte-se-á desses conceitos para explicar a presença do duplo, elemento recorrente na literatura gótica-romântica, que se manifesta na duplicidade do protagonista - estudante honesto/ladrão fantasma -, e na existência de sua Persona, Arsene. Para um aprofundamento do duplo a partir de uma perspectiva diabólica, usar-se-á, também, a pesquisa do historiador Robert Muchembled (1944) sobre a presença da imagem diabólica na cultura ocidental e conceitos do teórico Vítor Manuel de Aguiar e Silva (1939) sobre a presença do diabo e de entidades semelhantes na literatura romântica e acerca de teorias da literatura.

Devido ao cerne da série de jogos Persona ser os estudos da psicologia analítica de Carl Gustav Jung (1875-1961), serão explicados conceitos trazidos pelo cientista suíço como os arquétipos “persona” e “sombra”, além de inconsciente coletivo, relevantes para explicar o funcionamento da narrativa e da construção de Persona 5

Como corpus deste trabalho, serão analisadas imagens tiradas do jogo, trazendo, assim, os textos dos diálogos e em outros elementos gráficos presentes. Além desses screenshots, serão analisados: a) trechos sobre a construção do protagonista de Persona 5 presentes no livro The Art of Persona 5, obra feita a partir das imagens produzidas para o jogo com comentários do designer de personagens, Shigenori Soejima; b) e a obra de Leblanc “O ladrão de casaca: as primeiras aventuras de Arsène Lupin”, uma coletânea dos primeiros contos envolvendo o famoso ladrão francês.

Assim, esta pesquisa vislumbra ser uma contribuição aos estudos literários no que tange ao diálogo entre literatura e outros suportes, buscando inserir as obras de alcunha “cultura popular” nas análises de teoria literária, como é o caso proposto por este estudo, bem como uma forma de repensar a literatura e esses diálogos em um mundo cada vez mais tecnológico.


2 DESENVOLVIMENTO


2.1 A personagem do romance

Antonio Candido, em seu ensaio “A personagem do romance” (2018), busca demonstrar a importância da personagem na construção do romance, explicando seu funcionamento, algumas formas de classificação a partir de suas construções - em especial as teorias de Fielding e Richardson, além de Forster e Mauriac -, e as sete formas de criação de personagem que transitam entre a transposição de um ser real para um ser ficcional até à ausência de um modelo consciente para sua criação.

A ideia mais importante do texto, algo que o autor traz logo em seu início e reitera em seus últimos parágrafos, é a de que a personagem não existe isolada no texto, ela necessita de outros dois elementos que possuem o mesmo nível de importância: o enredo, que se materializa conjuntamente às personagens, e as ideias, os significados trazidos pelo romance. Portanto, Candido estabelece um triunvirato literário, dizendo que “estes três elementos só existem intimamente ligados, inseparáveis, nos romances bens realizados” (CANDIDO, 2018, p. 54). 

A partir disso, o teórico, em suas explicações sobre os mecanismos de construção da personagem, estabelece uma comparação entre o ser real e o ser fictício. Chega-se à conclusão, ao pensar nos seres reais, que “a noção a respeito de um ser, elaborada por outro ser, é sempre incompleta, em relação à percepção física inicial. E que o conhecimento dos seres é fragmentário” (CANDIDO, 2018, p. 56). Ou seja, o conhecimento que possuímos sobre outro ser real é descontínuo, oscilante, mera aproximação (CANDIDO, 2018). 

Quantos aos seres ficcionais, Candido explica que os autores, ao construírem suas personagens de forma fragmentária, querem “retomar, no plano da técnica de caracterização, a maneira fragmentária, insatisfatória, incompleta, com que elaboramos o conhecimento dos nossos semelhantes” (CANDIDO, 2018, p. 58). Entretanto, para o autor, há uma diferença fundamental entre os dois tipos de seres e as “mídias” em que nos deparamos com eles: 


[...] a visão fragmentária é imanente à nossa própria experiência; é uma condição que não estabelecemos, mas a que nos submetemos. No romance, ela é criada, é estabelecida e racionalmente dirigida pelo escritor, que delimita e encerra, numa estrutura elaborada, a aventura sem fim que é, na vida, o conhecimento do outro (CANDIDO, 2018, p. 58).


Apesar da caracterização fragmentária apresentada tanto por nossa interpretação, a partir das pistas que encontramos, das pessoas ao nosso redor, quanto pelo autor ao construir suas personagens, Candido faz outra distinção importantíssima: 


No romance, podemos variar relativamente a nossa interpretação da personagem; mas o escritor lhe deu, desde logo, uma linha de coerência fixada para sempre, delimitando a curva da sua existência e a natureza do seu modo-de-ser. Daí ser ela relativamente mais lógica, mais fixa do que nós. E isto não quer dizer que seja menos profunda; mas que a sua profundidade é um universo cujos dados estão todos à mostra, foram pré-estabelecidos pelo seu criador, que os selecionou e limitou em busca de lógica. A força das grandes personagens vem do fato de que o sentimento que temos da sua complexidade é máximo; mas isso, devido à unidade, à simplificação estrutural que o romancista lhe deu (CANDIDO, 2018, p. 58-9).


Essa delimitação da personagem é um dos focos do romance moderno, que tenta “aumentar cada vez mais esse sentimento de dificuldade do ser fictício, diminuir a ideia de esquema fixo, de ente delimitado, que decorre do trabalho de seleção do romancista” (CANDIDO, 2018, p. 59). Mas a complexidade da personagem e de seus múltiplos traços somente existem pois o romancista combinou habilidosamente os elementos de construção, sempre num número limitado em relação os quase inúmeros traços humanos possíveis.

 Ainda sobre a questão de fragmentação dos seres, Candido faz um elogio à literatura, demonstrando sua importância perante à vida real: 


Neste ponto tocamos numa das funções capitais da ficção, que é a de nos dar um conhecimento mais completo, mais coerente do que o conhecimento decepcionante e fragmentário que temos dos seres. Mais ainda: de poder comunicar-nos este conhecimento. De fato, dada a circunstância de ser o criador da realidade que apresenta, o romancista, como o artista em geral, domina-a, delimita-a, mostra-a de modo coerente, e nos comunica esta realidade como um tipo de conhecimento que, em consequência, é muito mais coeso e completo (portanto mais satisfatório) do que o conhecimento fragmentário ou a falta de conhecimento real que nos atormenta nas relações com as pessoas (CANDIDO, 2018, p. 64).


O autor prossegue elucidando que as personagens “são mais nítidas, mais conscientes, têm contorno definido, — ao contrário do caos da vida — pois há nelas uma lógica pré-estabelecida pelo autor, que as torna paradigmas e eficazes” (CANDIDO, 2018, p. 67).

Quanto à origem da personagem, seja baseada em algum ser real ou criada pela imaginação do autor, Candido é claro em suas considerações: 


[...] só há um tipo eficaz de personagem, a inventada; mas que esta invenção mantém vínculos necessários com uma realidade matriz, seja a realidade individual do romancista, seja a do mundo que o cerca; e que a realidade básica pode aparecer mais ou menos elaborada, transformada, modificada, segundo a concepção do escritor, a sua tendência estética, as suas possibilidades criadoras. Além disso, convém notar que por vezes é ilusória a declaração de um criador a respeito da sua própria criação (CANDIDO, 2018, p. 69).


Candido, então, volta à sua ideia de triunvirato da estrutura literária ao dizer que o cerne da personagem, “a verdade da personagem”, não é dependente somente de sua aproximação ou afastamento da vida real ou de modelos propostos (como os modelos citados e comentados pelo autor), mas, 


[...] depende, antes do mais, da função que exerce na estrutura do romance, de modo a concluirmos que é mais um problema de organização interna que de equivalência à realidade exterior [...]. Portanto, originada ou não da observação, baseada mais ou menos na realidade, a vida da personagem depende da economia do livro, da sua situação em face dos demais elementos que o constituem: outras personagens, ambiente, duração temporal, ideias (CANDIDO, 2018, p. 75). 


Para concluir seus pensamentos acerca da construção da personagem no romance e na importância que o enredo e o contexto possuem dentro de sua construção e coerência, Antonio Candido diz sobre a personagem que “a verdade da sua fisionomia e do seu modo-de-ser é fruto, menos da descrição, e mesmo da análise do seu ser isolado, que da concatenação da sua existência no contexto” (CANDIDO, 2018, p. 78).

Portanto é relevante, dentro da análise de construção de uma personagem de romance, não limitar os estudos apenas às características possíveis de serem identificadas a partir da frágil e fragmentada percepção que o leitor/interlocutor pode produzir a partir de seus traços físicos e psíquicos, mas efetuar um estudo que una esses mesmos traços perceptíveis da personagem focalizada a uma análise dos desdobramentos da narrativa.


2.2 A literatura gótica e o duplo

Desde o lançamento de The Castle of Otranto, de Horace Walpole, em 1764, considerado o marco inicial da literatura gótica na Inglaterra, o movimento gótico expandiu-se ao ponto de abarcar hoje em dia não somente a literatura, mas também o cinema, a televisão, o teatro, os musicais, a moda e os jogos eletrônicos. E seu crescimento nunca deixou de levar em consideração aquilo que seu progenitor trouxe no prefácio de segunda edição da obra, lançada em 1765: o encontro de dois tipos de romance: o antigo, para a época, cheio de imaginação e improbabilidades, e o moderno, governado pelas leis da probabilidade. 

Eis que surge, portanto, uma das principais características do movimento gótico, independente da mídia em que é apresentada: a ambiguidade dicotômica, sendo algo e, ao mesmo tempo, sendo outro. Nas palavras de Jerrold E. Hogle: 


[...] nenhuma outra forma de escrita ou de teatro é tão insistente quanto o Gótico em justapor potencial revolução com possível reação - sobre gênero, sexualidade, raça, classe, os colonizadores contra os colonizados, o físico contra o metafísico, a psicologia anormal contra a normal (HOGLE, 2012, p. 13, tradução nossa). 


Para Fred Botting, outro importante estudioso do gótico, 


[...] ambivalência e incerteza obscurecem significação única. Se baseando em mitos, lendas e folclores de romances medievais, o Gótico conjurou mundos mágicos e contos de cavaleiros, monstros, fantasmas e aventuras e terrores extravagantes (BOTTING, 1995, p. 2, tradução nossa).


E a especialista em literatura inglesa e no gênero romance Sandra Guardini Vasconcelos irá concordar com a presença da ambivalência do gênero:

 

Forma híbrida desde sua concepção, dessa maneira o gótico mescla romanesco medieval e romance de vida e costumes cotidianos, povoando castelos e abadias com personagens que portam trajes da época mas pensam, sentem e agem de acordo com os ideais setecentistas (VASCONCELOS, 2002, p. 128)


Seguindo os estudos de Hogle, uma das características essenciais da literatura gótica, presente desde The Castle of Otranto, é a ambientação e os acontecimentos relacionados aos locais em que o enredo se desenvolve:


[...] uma história gótica normalmente ocorre (ao menos por um momento) em um espaço antiquado ou aparentemente antiquado - podendo ser um castelo, um lugar distante e estrangeiro, uma abadia, uma ampla prisão, uma cripta subterrânea, um cemitério, uma fronteira ou ilha primitiva, uma grande e velha casa, ou então um grande teatro antigo, uma cidade envelhecida ou um submundo urbano ancestral, um depósito, uma fábrica, um laboratório, um prédio público em decadência, ou distração nova em um ambiente antigo, como um escritório com fichários velhos, uma nave espacial sobrecarregada, ou uma memória de computador. Dentro desse espaço, ou na combinação desses espaços, estão escondidos alguns segredos do passado (às vezes relacionados a um passado recente) que assombra as personagens, física e/ou psicologicamente no principal momento da estória (HOGLE, 2012, p. 2, tradução e grifo nossos).


Nesses espaços, as tais assombrações podem tomar diferenciadas formas dependendo do contexto da obra e dos desejos do autor, normalmente assumindo a forma de “fantasmas, espectros ou monstros que surgem de dentro do espaço antiquado, ou às vezes o invade a partir de reinos estrangeiros, para manifestar crimes não solucionados ou conflitos que não podem mais ser escondidos com sucesso” (HOGLE, 2012, p. 2, tradução nossa). Eis que a ficção gótica, portanto, lida com a transgressão dos limites entre as leis terrenas e o sobrenatural, “levantando a possibilidade de que as fronteiras entre elas talvez tenham sido cruzadas, ao menos psicológica ou fisicamente, ou ambos” (HOGLE, 2012, p. 3, tradução nossa).

Por conta dessas dicotomias internas trabalhadas pela literatura gótica, um elemento frequentemente encontrado nas obras é a presença do duplo, também chamado de o insólito ou o inquietante. Para Carla Cunha, autora do verbete sobre a tópica no E-Dicionário de Termos Literários, o duplo é


[...] algo que, tendo sido originário a partir de um indivíduo, adquire qualidade de projecção e posteriormente se vem a consubstanciar numa entidade autónoma que sobrevive ao sujeito no qual fundamentou a sua génese, partilhando com ele uma certa identificação. Nesta perspectiva, o DUPLO é uma entidade que duplica o “eu”, destacando-se dele e autonomizando-se a partir desse desdobramento. Gera-se a partir do “eu” para de imediato, dele se individualizar e adquirir existência própria. A sua coexistência como o “eu” de que é originário, contudo, nem sempre é pacífica. Podem ocorrer duas modalidades: a) o DUPLO apresenta, segundo o julgamento do “eu”, características positivas, sendo resultante de um processo de identificação entre o “eu” e o seu DUPLO; b) o DUPLO apresenta, de acordo com o julgamento do “eu”, características negativas, resultantes de um processo de oposição entre o “eu” e o seu DUPLO, pela constatação de uma não correspondência de traços ou características afins. Desta forma, podemos deparar com um ambiente ou contexto em que o sujeito e o seu DUPLO coexistem em perfeita simbiose, ou então, sujeito e o seu DUPLO afirmam-se e afastam-se pela iminência de uma diferença consagrada (CUNHA, 2009, grifo da autora).


Para a estudiosa, o duplo, enquanto extensão do eu, corresponderia a uma sombra, dividindo traços óbvios dentro de uma relação cúmplice e harmônica. Entretanto, como supracitado, o oposto também pode ocorrer, gerando relações opostas, adversativas, contraditórias.

Botting dirá que “o inquietante disturba o sensação familiar, caseira e segura de senso de realidade e de normalidade. A perturbação de estados psicológicos, entretanto, não sinaliza um desintegração puramente subjetiva: o inquietante torna incertas todas as fronteiras” (BOTTING, 1995, p. 7).

Pode-se verificar, destarte, que a literatura gótica tem, em seu âmago, uma dicotomia, por vezes paradoxal, que se estende das caracterizações, físicas e psicológicas, das personagens e dos cenários, até a concepção de realidade e fantasia. A manifestação do duplo pode se dar, também, por vias dicotômicas, podendo ser, ao mesmo tempo, benéfica, positiva, e maléfica, negativa. A presença da dualidade é, portanto, elemento primordial para a narrativa gótica. 


2.3 Satanismo na literatura e na cultura

De acordo com o historiador francês Robert Muchembled, 


O diabo não desaparece com a Revolução Francesa, nem mesmo sob os violentos golpes da razão, da ciência e da industrialização. Sua imagem continua a assombrar o imaginário ocidental, mas ela deixa de ter por referência exclusivamente o dogma religioso para ligar-se a diversos movimentos intelectuais, culturais e sociais europeus dos séculos XIX e XX. (MUCHEMBLED, 2001, p. 239).


O que é interessante sobre a transformação da imagem do demônio na passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea é que ele deixa de ser uma figura unicamente sombria, presa às vertentes religiosas, em especial o catolicismo, sendo tratado como antagonista de Deus, para se tornar uma representação poderosa dentro dos mais variados movimento socioculturais da época, tornando-se símbolo, também, do íntimo do ser humano. Seguindo esse raciocínio, Muchembled complementa: 


[...] cresce com força uma definição mais interiorizada do demônio, intimamente unido ao homem, do qual ele não é mais que a face sombria ou a máscara vazia. Ela autoriza todas as variações imagináveis, motivos, emblemas, mitos e símbolos, abrangendo, ao mesmo tempo, as paixões individuais e os terrores coletivos (MUCHEMBLED, 2001, p. 240). 


A imagem do diabo, proveniente da dicotomia religiosa, passa a ser reconfigurada de modo a aproximar-se, cada vez mais, da própria figura humana. Tal mudança de perspectiva em relação à figura do diabo afetou as correntes filosóficas, literárias e científicas do século XIX, o que leva ao surgimento de “uma angustiante, mas fecunda, interrogação a respeito da natureza humana” (MUCHEMBLED, 2001, p. 240). 

Na literatura romântica, que busca inspiração nos novos significados atribuídos à imagem do diabo, Aguiar e Silva teoriza: 


A aventura do eu romântico apresenta uma feição de declarado titanismo, configurando-se o herói romântico como um rebelde que se ergue, altivo e desdenhoso, contra as leis e os limites que o oprimem, que desafia a sociedade e o próprio Deus (AGUIAR E SILVA, 1973, p. 477, grifo nosso).


Os românticos, portanto, em busca de mitos, símbolos e figuras míticas que se assemelhem aos seus ideais de herói (rebeldes, revolucionários, como aqueles que participaram das profundas mudanças sociais do final do século XVIII, acabando com o Absolutismo vigente na Europa), encontram, em um primeiro momento, tais características em Prometeu, o que explica a alcunha “titanismo”. Entretanto, outra figura foi de suma importância para os românticos: a de Satã, que, em pouquíssimo tempo, “tornou-se outro grande símbolo para os românticos, como personificação da rebeldia e da aspiração de alcançar o Absoluto” (AGUIAR E SILVA, 1973, p. 477-8, grifo nosso). 

Mas não só na rebeldia e no desafio às verdades e às imposições sociais os românticos acharam conforto na imagem do diabo. Segundo Aguiar e Silva,  


Também no homem fatal do romantismo se reencontram muitos elementos característicos de Satã, desde a fisionomia - face pálida, olhar sem piedade - até o temperamento e às feições psicológico-morais - melancolia irradicável, desespero, revolta, pendor inelutável para a destruição e o mal” (AGUIAR E SILVA, 1973, p. 478, grifo nosso).


O diabo, portanto, na literatura romântica, e em principal na literatura gótica, representa não somente o mal interno da humanidade, mas também seus desejos reprimidos, a vontade de superar as amarras impostas pela vida e pela sociedade, a vontade de se rebelar contra a leis, de ser verdadeiramente livre. 


2.4 Persona, sombra e o inconsciente coletivo

Para Carl Jung, o conceito de inconsciente coletivo é um dos mais problemáticos em relação ao entendimento de seus leitores. Ele reclama das más interpretações sobre o assunto em sua obra, “Os arquétipos e o inconsciente coletivo”, alegando que “nenhum de meus conceitos encontrou tanta incompreensão” (JUNG, 2007, p. 53). Por isso, o psicólogo suíço busca definir o inconsciente coletivo como


[...] uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos (JUNG, 2007, p. 53).


Portanto, o inconsciente coletivo junguiano parte da noção de existência de formas e conteúdos pré-estabelecidos que são passados de geração em geração sem nunca terem aparecido na consciência. Não satisfeito, o autor busca definir o assunto mais uma vez, para não deixar dúvidas sobre sua colocação. Eis sua tese: 


[...] à diferença da natureza pessoal da psique consciente, existe um segundo sistema psíquico, de caráter coletivo, não-pessoal. ao lado do nosso consciente, que por sua vez é de natureza inteiramente pessoal e que - mesmo quando lhe acrescentamos como apêndice o inconsciente pessoal - consideramos a única psique passível de experiência. O inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, mas é herdado. Ele consiste de formas preexistentes, arquétipos, que só secundariamente podem tomar-se conscientes, conferindo uma forma definida aos conteúdos da consciência (JUNG, 2007, p. 54).


Em suas explicações, Jung menciona a existência dos arquétipos. Para o autor, “o conceito de arquétipo, que constitui um correlato indispensável da ideia do inconsciente coletivo, indica a existência de determinadas formas na psique, que estão presentes em todo tempo e em todo lugar” (JUNG, 2007, p. 53). Para ele, arquétipos são “literalmente uma forma preexistente” (JUNG, 2007, p. 53), que servem de modelo para o comportamento humano. Ao longo da obra citada, Jung descreve alguns desses arquétipos, como o velho sábio, a anima, além dos dois principais arquétipos estudados neste trabalho: a sombra e a persona.

O arquétipo “sombra” seria, 


[...] uma parte viva da personalidade e por isso quer comparecer de alguma forma. Não é possível anulá-la argumentando, ou torná-la inofensiva através da racionalização. Este problema é extremamente difícil, pois não desafia apenas o homem total, mas também o adverte acerca do seu desamparo e impotência (JUNG, 2007, p. 31). 


Ainda segundo o autor, a sombra é um “desfiladeiro, um portal estreito cuja dolorosa exiguidade não poupa quem quer que desça ao poço profundo” (JUNG, 2007, p. 31). Em suma, a sombra seria a representação de tudo aquilo que é considerado negativo por nós e pela sociedade, sendo, assim, posta de lado, jogada no fundo do poço, oprimida. Todos os sentimentos taxados como egoístas e cruéis, todas as ideias e desejos postos como imorais. A sombra seria, afinal, tudo aquilo que nós, ou a sociedade, não aceitamos, sendo, normalmente, reprimida.  

Sua oposição é a persona, conceitualizada por Jung como “a máscara do ator” (JUNG, 2007, p. 30). Para o teórico, as personas são máscaras que as pessoas utilizam no convívio social para esconder seus verdadeiros “eus”, por isso é realizada uma comparação com o teatro grego, em que os atores utilizavam diferentes máscaras para encarnar as mais diferentes personagens. Mais adiante em seu texto, o autor recorre a outra explicação, desta vez mais ampla, sobre o conceito de persona: 


Exagerando um pouco, poderíamos até dizer que a persona é o que não se é realmente, mas sim aquilo que os outros e a própria pessoa acham que se é. Em todo caso a tentação de ser o que se aparenta é grande, porque a persona freqüentemente recebe seu pagamento à vista (JUNG, 2007, p. 128).


A persona está diretamente relacionada, portanto, à imagem que a sociedade e nós mesmos, em algumas circunstâncias, temos de nossos “eus” a partir de nossas ações e palavras, a partir das relações sociais que formamos, sejam as com nossos confidentes, sejam as mais rasas. Munimo-nos de máscaras, partes de nosso verdadeiro “eu”, para lidar com os complicados atos de viver e de se socializar. 

Portanto é possível perceber na psicologia analítica uma dicotomia que nos é relevante: a dicotomia persona e sombra. A primeira seria a forma como uma pessoa age ou acredita que deveria agir socialmente a partir daquilo que é considerado aceitável aos padrões morais do meio que vive, estabelecendo, assim uma noção maniqueísta de ideias, desejos e ações. Tudo aquilo que é considerado maligno e imoral compõe a sombra, que é reprimida dentro dos indivíduos por força pessoal e social. 


2.5 Análise: Persona 5 e a Literatura

Devido à complexidade da narrativa, a análise se dividirá em três pontos primordiais para a construção do protagonista de Persona 5: a) os eventos que antecedem sua ida a Tóquio; b) os eventos que ocorrem no dia 11 de abril de 20XX, dia em que desperta sua Persona; c) e os eventos do dia 24 de dezembro de 20XX, data em sua Persona transforma-se, possibilitando a derrota do verdadeiro vilão da história.


2.5.1 Antes de Tóquio

O Protagonista de Persona 5, pelas palavras de Shigenori Soejima, é “um garoto incriminado por autoridades corruptas e forçado a abandonar sua cidade natal devido a um crime que não cometeu” (THE ART, 2017). 

Esse crime sucedeu-se na cidade natal da personagem, numa noite que precisava voltar mais cedo para casa. No meio do caminho, começa a escutar uma discussão entre um homem e uma mulher. Ele segue em frente pelas ruas até achar um homem avançando contra uma mulher, que tenta a todo custo se soltar. A mulher pede ao homem que pare o que está fazendo, e, em um momento do jogo em que o Protagonista relembra-se de parte dos acontecimentos, podemos ler seus os pensamentos ao deparar-se com o ocorrido: “ela está em perigo…”. São dadas, então, duas escolhas ao jogador,: “eu não posso ignorar isso” e “eu tenho que salvá-la” (Figura 2, tradução nossa).


Figura 2 - Protagonista frente ao abuso

Fonte: ATLUS, 2017


Apesar da escolha entre as duas opções oferecidas não apresentar qualquer alteração na narrativa, elas evidenciam o comportamento do Protagonista perante uma situação com a apresentada (no caso, um assédio físico que poderia se tornar sexual). A primeira opção demonstra os sentimentos internos do Protagonista em enfrentar aquilo que considera errado na sociedade que habita; é uma opção que realça a dicotomia eu x mundo porque ele não pode ignorar a situação, entretanto, outras pessoas ignorariam. A segunda opção admite a existência de um diabo interno no Protagonista, podendo rebelar-se contra as leis sociais e os opressores em situações que considera extremas. 

Após a decisão, o Protagonista busca impedir o assédio. No meio do conflito, o homem, que diz que a polícia pertence a ele (Figura 3), tenta agredir fisicamente o Protagonista, escorrega e fere a cabeça na calçada. Enfurecido, ele promete processar a personagem, dizendo que foi ele quem o agrediu, não o contrário. Esse homem chama-se Masayoshi Shido e é um político de grande influência no Japão. Ele chantageia financeiramente a mulher, os policiais e todos os envolvidos no processo, fazendo com que o Protagonista seja preso e julgado por agressão. Como ainda não completou a maioridade, ele não é encarcerado de forma devida, entretanto, caso venha a cometer qualquer delito que atente contra as regras sociais, ele será mandado para o reformatório juvenil.


Figura 3 - O diálogo do homem bêbado com a mulher em perigo

Fonte: ATLUS, 2017


Considerando os elementos da psicologia analítica, é possível dizer que o Protagonista é sentenciado a manter a persona de “bom rapaz”, não interferindo em nenhum acontecimento, enquanto sua sombra, que se assemelha à imagem de Satã defendida pelos românticos por sua atitude rebelde, desafiadora da sociedade, deve ser mantida sob controle. Caso venha a se revoltar, será encarcerado definitivamente, assim como Lúcifer foi expulso do Céu por rebelar-se contra Deus.

Entretanto, o Protagonista não se arrepende de sua escolha: “apesar de tudo, eu não poderia apenas ignorar…” (Figura 4, tradução nossa). Ele possui intenção de manter a persona que lhe obrigaram, até porque não possui nenhum método, nenhuma arma, para se vingar ou realizar sua justiça. 


Figura 4 - A resolução do Protagonista

Fonte: ATLUS, 2017


A partir de 11 de abril, ele possuirá os meios para colocar sua rebelião, em prática, e assim fará.


2.5.2 11 de abril de 20XX: a rebeldia despertada

Este é o primeiro dia do Protagonista na nova escola em que se matriculou em Tóquio, chamada Shujin Academy, a única instituição de ensino que o aceitou após os acontecimentos em sua cidade natal. 

Acerca do nome da escola, é válido apontar que na versão original em japonês há um jogo sonoro entre Syujin, a forma escrita adotada, e sua pronúncia, que é a mesma da palavra shūjin (囚人), que significa “prisioneiro”. Na tradução para o inglês, preferiu-se adotar a grafia que se refere a “prisioneiro”, em vez de manter a original. Portanto, a escola que o Protagonista matriculou-se pode ser considerada uma “academia de prisioneiros”, onde estes são os próprios alunos, que devem obedecer todas as regras impostas. De forma sutil, temos, então, mais um elemento do jogo que aponta para a dicotomia ordem social versus indivíduo.

No caminho à sua nova instituição de ensino, o Protagonista é obrigado a parar devido a uma chuva; ele, afinal, esqueceu-se de pegar um guarda-chuva antes de sair. Enquanto espera próximo à saída do metrô, ele mexe em seu celular até que percebe um aplicativo incomum – não instalado por ele - representado por um olho (Figura 5). Sem perceber, o aplicativo é aberto e começa a gravar as vozes próximas, inclusive o diálogo que irá suceder mais adiante da narrativa.


Figura 5 - O aplicativo misterioso

Fonte: ATLUS, 2017


O Protagonista ainda não possui conhecimento sobre ele, contudo esse aplicativo chama-se Meta-Nav e é o responsável por transportar seu usuário e pessoas ao redor para o Metaverse, mundo em que as cognições e desejos dos indivíduos manifestam-se fisicamente, uma corporificação do que Jung (2007) descreve como inconsciente coletivo. Nesse mundo cognitivo, pessoas com desejos corrompidos criam os chamados Palaces, manifestações distorcidas de locais existentes na realidade. Para adentrar um desses locais, é necessário informar ao aplicativo - o qual opera de forma semelhante a um GPS -, o local do mundo real que foi distorcido, o nome da pessoa que o distorceu e como essa pessoa enxerga o local distorcido, ou seja, a própria distorção.

Enquanto espera a chuva acalmar, uma aluna da Shujin aparece ao seu lado e, instante depois, vai embora no carro do professor de educação física da escola, Suguru Kamoshida, que a viu e lhe ofereceu carona. Com o carro seguindo em frente, outro aluno da Shujin surge, correndo e praguejando o tal professor. 

O estudante Ryuji Sakamoto, que mais tarde será um membro dos Phantom Thieves, se surpreende com a presença do Protagonista, preocupado em ser delatado por conta dos xingamentos. Ele pergunta ao Protagonista se ele irá contar para o docente ou para o diretor da escola o que foi dito, porém a personagem não possui conhecimento algum sobre quem é Kamoshida. Nas falas de Ryuji (descrito como Vulgar boy), ele, sem saber, oferece todas as informações necessárias para adentrar o primeiro Palace do jogo: “Shujin” (Figura 6), o local no mundo real que foi distorcido; “Kamoshida” (Figura 7), a pessoa cujo desejo corrompido permitiu a distorção; e “rei de um castelo” (Figura 8, tradução nossa), a forma adquirida por essa distorção. 


Figura 6 - O nome do local

Fonte: ATLUS, 2017


Figura 7 - O nome da pessoa

Fonte: ATLUS, 2017


Figura 8 - A distorção 

Fonte: ATLUS, 2017


Ao perceber que o Protagonista é um aluno de transferência, com nenhum conhecimento sobre a Shujin Academy, Ryuji acalma-se e nota que a chuva enfraqueceu. Ele convida o Protagonista a andar com ele antes que cheguem atrasados. Ao se virar para ir à escola, algo acontece, deixando o protagonista “tonto” e fazendo com que Ryuji diga que sua cabeça dói (Figura 9). As dores e a tontura sentidas são efeitos da passagem, de ambas as personagens, do mundo real para o Metaverse


Figura 9 - Dores e tonturas

Fonte: ATLUS, 2017


Assim, como na literatura gótica, a realidade dá espaço para o sobrenatural. Seguindo a leitura de Hogle (2002) sobre o gótico, é possível dizer que a fronteira entre as duas dimensões é cruzada pelas personagens de forma física, pois seus corpos são transportados para o Metaverse. Entretanto, a transgressão gera consequências tanto corporais quanto psicológicas em ambas as personagens.

Sem perceberem que não estavam mais na realidade, os dois rapazes avançam em direção à escola, até que chegam ao local e descobrem um castelo onde deveria existir a Shujin Academy (Figura 10). 


Figura 10 - O castelo 

Fonte: ATLUS, 2017


Não entendendo o que aconteceu, as duas personagens adentram o castelo buscando compreender o que ocorrido, questionando-se onde estaria a escola. Em poucos instantes, são cercados por guardas com espadas e armaduras, lembrando soldados medievais (Figura 11). 


Figura 11 - Dentro do castelo

Fonte: ATLUS, 2017


Os alunos são, então, atacados e levados inconscientes pelos guardas para uma das masmorras do castelo (Figura 12).


Figura 12 - Fala dos guardas

Fonte: ATLUS, 2017


Ao recobrarem consciência, o Protagonista e Ryuji tentam escapar da masmorra em que foram trancados. Enquanto procuram por uma saída, os guardas retornam e dizem: “Sintam-se felizes por terem suas punições determinadas. A acusação é “entrada ilegal”. Portanto, vocês serão sentenciados à morte” (Figura 13, tradução nossa). 


Figura 13 - A acusação

Fonte: ATLUS, 2017


Logo atrás dos guardas, surge uma figura idêntica à Kamoshida, vestindo um roupão estampado de corações e uma coroa. Como encontrado em um dos resumos da história oferecidos pelo próprio jogo: “Após acharem-se em um castelo, Ryuji e Gaburu são ameaçados por um rei que misteriosamente se assemelha à Kamoshida. Eles descobrem mais tarde que essa figura é a sua Sombra, ou seja, seu verdadeiro “eu” (Figura 14, tradução nossa). Podemos concluir, portanto, que o castelo é a maneira distorcida que Kamoshida enxerga a escola em que é professor. Não suficiente, ele é o rei desse castelo.


Figura 14 - Resumo dado pelo jogo próximo ao fim da narrativa

Fonte: ATLUS, 2017


Retomando o gótico, é importante realçar que a escolha para o primeiro Palace de Persona 5 é “perfeita”. O cenário segue os moldes góticos teorizados por Botting (1995), pois não só é a conjuração de um mundo mágico, sobrenatural, como é, também, a invocação de um mundo com traços medievais: um castelo, guardas, soldados de espada e armadura, masmorras, um rei, uma coroa. Ademais, o gothic trope do castelo é o espaço privilegiado, lócus horribilis, de O Castelo de Otranto.

O fato da ambientação de um dos momentos mais importantes do jogo, um cenário em que o Protagonista e mais três personagens despertam suas Personas, ser em um castelo segue as explicações de Hogle (2002) ao tratar do espaço em uma história gótica: ela ocorre, em ao menos um momento, em um espaço antiquado ou que pareça assim. Seu primeiro exemplo do que poderia ser esse “espaço antiquado” é justamente um castelo, elemento gótico por excelência.

A “Sombra” de Kamoshida, um duplo que surge a partir da manifestação da sombra junguiana do professor, discute com as personagens, alegando que está na hora de uma execução (Figura 15). 


Figura 15 - Uma execução

Fonte: ATLUS, 2017


Seu foco é Ryuji, que é atacado por um dos guardas e, depois, pela “Sombra”, que o golpeia com socos, cospe em seu rosto e, por fim, reitera que ele será morto (Anexo Q). 


Figura 16 - Mais um abuso testemunhado pelo Protagonista

Fonte: ATLUS, 2017


O Protagonista, vendo a agressão, exclama, dependendo da opção do jogador, uma das seguintes frases: “pare com isso!” ou “você perdeu o juízo!?” (Anexo R, tradução nossa).


Figura 17 - A revolta do Protagonista

Fonte: ATLUS, 2017


Independente da escolha, Kamoshida avançará contra ele: “O quê…? Não ouse me dizer que você não sabe quem eu sou. Esse seu olhar me irrita!” (Figuras 18 e 19, tradução nossa). 


Figura 18 - As falas de Kamoshida para o Protagonista

Fonte: ATLUS, 2017


Figura 19 - O olhar que irrita Kamoshida

Fonte: ATLUS, 2017


Então, o “rei do castelo” pontapeia o Protagonista, que cai ao chão. “Mantenha-o lá... Depois do camponês, é a vez dele morrer” (Figura 20, tradução nossa). 


Figura 20 - Kamoshida prestes a executar Ryuji

Fonte: ATLUS, 2017


Ao escutar essas palavras, o Protagonista, novamente, reage. Desta vez, dois guardas o imobilizam e o mantém contra à parede (Figura 21) enquanto a Sombra volta sua atenção a Ryuji. Assim, o despertar inicia-se.


Figura 21 - Soldados imobilizam o Protagonista

Fonte: ATLUS, 2017


O Protagonista escuta uma voz misteriosa em sua mente, parecida com sua própria. Essa voz lhe questiona: “Qual é o problema? Você vai simplesmente assistir? Você está abandonando-o para salvar-se? Morte espera-o se você não fizer nada. Sua decisão prévia foi um erro então?” (Anexo W, tradução nossa). A voz se refere à decisão do Protagonista em ter tentado ajudar a mulher sendo abusada em sua cidade natal, decisão que o fez chegar a esse exato momento. São dadas duas escolhas, que também não interferem na narrativa, de resposta da personagem a essa voz: “não foi” e “talvez tenha sido…”. 


Figura 22 - As palavras da voz misteriosa

Fonte: ATLUS, 2017


A voz prossegue com seu discurso:


Muito bem… eu atentei-me à sua determinação. Jure a mim. Eu sou tu, tu és eu… Tu que estás disposto a executar todos os tipos de atos sacrílegos por tua própria justiça! Chame ao meu nome, e liberte tua raiva! Demonstre a força de tua vontade para averiguar tudo de tua posse, mesmo que tu sejas acorrentado ao próprio Inferno!” (Figuras 23 e 24, tradução nossa).


Figuras 23 e 24 - O juramento 

Fonte: ATLUS, 2017


Fonte: ATLUS, 2017 


Com o contrato selado, o Protagonista libera sua máscara (Figura 25) e desperta o poder de sua Persona, Arsene, que se identifica ao Protagonista como “a alma rebelde que habita dentro de você” (Figura 26, tradução nossa). Então, o Protagonista utiliza seu poder recém descoberto para se revoltar contra os guardas, salvando Ryuji da execução e permitindo a fuga de ambos do castelo.


Figura 25 - A retirada da máscara

Fonte: ATLUS, 2017


Figura 26 - A alma rebelde

Fonte: ATLUS, 2017


Há no despertar da Persona do Protagonista elementos supramencionados nas teorizações de Hogle (2002) acerca do espaço gótico. Fora a presença do castelo como ambiente antiquado, Arsene, ao ser invocado, é cercado por uma aura azulada, semelhante a chamas, o que lhe concede um aspecto fantasmagórico, espectral. Ele também possui correntes que o ligam ao Protagonista. Sua presença ocorre em um momento em que o Protagonista observa um conflito físico mais uma vez, o que gera um conflito dicotômico de ordem psicológica em seu interior: o ato de acatar com a lei, mesmo que distorcida e corrupta, de um ser que se proclama rei e, por consequência, morrer e o ato de liberar sua revolta contra a opressão daqueles que detém o poder e que o utilizam de forma abusiva. 

Sua “sombra” rebelde (sua “alma rebelde”, como diz Arsene) não pode mais ser contida e o contrato que assina é sua aceitação do que sempre foi: um rebelde com o desejo de alterar o mundo e de se colocar em oposição àqueles que controlam, abusam e oprimem. Ao aceitar sua “sombra”, ela se transforma em uma persona junguiana, uma máscara que o Protagonista utilizará para enfrentar a sociedade em vez de ser aceito por ela. Assim surge sua Persona.

Descrito pelo jogo como “um ser baseado na personagem principal dos romances de Maurice Leblanc, Arsene Lupin. Ele aparece em todos os lugares e é um mestre do disfarce. Ele é conhecido por ajudar cidadãos que seguem a lei” (Figura 27, tradução nossa), Arsene não apenas ajuda o Protagonista em uma hora de extrema necessidade como, também, é a manifestação de suas verdadeiras intenções: um duplo gerado através de um processo de identificação, como descrito por Cunha (2009) em sua definição sobre o duplo literário.


Figura 27 - Arsene

Fonte: ATLUS, 2017

 

A identificação do Protagonista com Arsene não surge apenas da rebeldia de ambas as personagens perante às leis sociais: o Protagonista torna-se um ladrão, assim como Arsène Lupin, e também adota outro traço de suma importância da personagem francesa descrita na obra original de Leblanc como


O escorregadio salteador cujas proezas os jornais vinham noticiando há meses! O enigmático personagem com quem o velho Ganimard, nosso melhor policial, encetara um duelo até a morte, cujas peripécias se desenrolavam de maneira tão pitoresca! Arsène Lupin, o rocambolesco gentleman que só opera em castelos e salões e que, uma noite, após invadir a residência do barão Schormann, partira de mãos vazias e deixara seu cartão, despedindo-se com elegância: “Arsène Lupin, o ladrão de casaca, voltará quando a mobília for autêntica.” Arsène Lupin, o homem de mil disfarces, sucessivamente motorista, tenor, bookmaker, rapaz de família, adolescente, idoso, representante comercial marselhês, médico russo, toureiro espanhol! (LEBLANC, 2016, p. 15, grifo nosso).


Afinal, Arsene é a Persona inicial do Protagonista, aquela com quem mais possui identificação, e assim permanecerá até os instantes finais do último conflito enfrentado pelos Ladrões Fantasmas quando finalmente atingirá sua verdadeira forma. Entretanto, no decorrer da narrativa, o Protagonista é capaz de utilizar múltiplas Personas em combate, essas baseadas em mitos, lendas ou entidades religiosas. A identificação entre “eu” e seu duplo é tão grande que se Arsène Lupin é o homem de mil disfarces, o Protagonista de Persona 5 torna-se o estudante de ensino médio de mil Personas

Com o despertar de Arsene, o Protagonista enfim se transforma em um Ladrão Fantasma e passa a ter, externamente, o que Soejima chama de “duas faces: uma que ele esconde e outra que ele apresenta ao mundo” (THE ART, 2017, p. 24). No mundo real, o protagonista veste seu uniforme escolar e sua máscara de rapaz comportado, que não pode perturbar as leis sociais. No Metaverse, através do uso de sua Persona, ele demonstra seu verdadeiro “eu”, tornando-se um Ladrão Fantasma, jurado de roubar o coração de todos os humanos cujos crimes foram ignorados, de alguma forma, pela sociedade. 

O despertar de seu poder secreto, uma entidade que adota a forma de um ladrão famoso do universo literário e que é manifestada a partir da aceitação de sentimentos reprimidos, ocorre em um ambiente antiquado - a masmorra de um castelo -, em um momento de reflexão e de aceite acerca de ações passadas. Essas ações determinam sua personalidade e sua resposta à agressão que ocorre no mesmo momento como uma forma de não repetir os erros cometidos anteriormente. O contrato com Arsene, afinal, foi selado, e o Protagonista, agora, está apto e determinado a aplicar sua justiça àqueles que a sociedade no mundo real não purgou. 


2.5.3 24 de dezembro de 20XX: um anjo surge dos céus

Após inúmeras batalhas e corações roubados, os Phantom Thieves of Hearts “encaram” o verdadeiro vilão da história: o administrador nascido do inconsciente coletivo, ou seja, o Metaverse, Yaldabaoth, auto intitulado “deus do controle” (Figura 28). 


Figura 28 - Deus do controle

Fonte: ATLUS, 2017


Para Yaldabaoth, “o administrador precisa guiar a humanidade rumo ao desenvolvimento correto. E agora que a tolice do homem foi provada, é trabalho do administrador expurgá-los” (Figura 29, tradução nossa). 


Figura 29 - As explicações do deus

Fonte: ATLUS, 2017


Ele prossegue em seu discurso, dizendo que “as massas tolas meramente espalham pensamentos indolentes e forçam o progresso da sociedade para trás. Se deixado à humanidade, o mundo lentamente encontraria seu fim. Reabilitação é impossível agora” (Figura 30, tradução nossa). 


Figura 30 - A humanidade não pode ser mais reabilitada

Fonte: ATLUS, 2017


Tais afirmativas servem de pretexto para que Yaldabaoth tome controle da humanidade e da realidade, integrando o Metaverse ao mundo real. Assim, torna-se o controlador de ambos os mundos, um deus totalitário e único, uma imagem distorcida do Deus cristão, que também seria único e totalitário, já que (em tese) teria controle sobre tudo e sobre todos. Outro elemento que corrobora a comparação distorcida é sua entrada em cena: Yaldabaoth não surge dos céus, mas sim da parte inferior do cenário. 

Os Ladrões Fantasmas lutam contra o deus, buscando derrotá-lo de alguma forma, mas o poder dele é absoluto e, aos poucos, Yaldabaoth derrota as personagens. Entretanto, o mesmo poder das massas, ditas pelo deus como incapazes de tomar decisões frente à ruína, oferece aos Phantom Thieves uma chance de se imporem perante o inimigo. A crença da humanidade nas personagens confere nova energia à batalha, em especial ao Protagonista.

Yaldabaoth irrita-se ao ver a sociedade apoiando os ladrões: “Deus é aquele que cria o mundo!” (Figura 31, tradução nossa), aproximando sua imagem mais uma vez do Deus cristão. 


Figura 31 - Yaldabaoth se aproxima de Deus

Fonte: ATLUS, 2017


Uma das personagens, Morgana, diz aos seus companheiros: “se vocês decidiram tirar o mundo dele, não comprometam seus ideais até o final!” (Figura 32, tradução nossa).


Figura 32 - Discurso de Morgana

Fonte: ATLUS, 2017


O Protagonista, então exclama uma das duas opções dadas pelo jogo, mais uma vez, sem alterações na narrativa: “nós vamos salvar este mundo” ou “você escolheu o inimigo errado” (Figura 33, tradução nossa). 


Figura 33 - A resolução do Protagonista frente Yaldabaoth

Fonte: ATLUS, 2017


O Protagonista invoca Arsene mais uma vez e incorpora os desejos oferecidos pela humanidade em sua Persona, quebrando, enfim, as correntes que os mantinham ligados. Arsene explode em energia e desaparece, o que faz com que Yaldabaoth acredite que o Protagonista foi incapaz de controlar todo seu poder. 

Eis que o céu escurece e um anjo de asas pretas desce dos céus (Figura 34). 


Figura 34 - O anjo de asas pretas

Fonte: ATLUS, 2017


Esse anjo é Satanael, a verdadeira Persona do Protagonista, descrita no jogo como “um arcanjo que é dito ser a forma de Satã antes de sua queda do Céu. O segundo filho de Deus, rebelou-se contra Ele por liberdade e outorgou o livre arbítrio e o caos à humanidade” (Figura 35, tradução nossa). 


Figura 35 - Satanael

Fonte: ATLUS, 2017


Como teorizado por Aguiar e Silva (1973), Satã é a personificação da rebeldia para os românticos, de tal forma que os heróis românticos – heróis byronianos - também são caracterizados como rebeldes e revoltosos. Retomando o grifo feito em uma de suas citações supramencionadas, o Protagonista se qualifica como herói romântico ao permanecer em pé, despertando o diabo interior que sempre esteve presente e desafiando uma entidade que tudo controla e oprime. O conflito entre o deus e humanos transforma-se, deste modo, em um conflito entre o deus do controle e a manifestação da individualidade e do livre arbítrio: uma reinterpretação do conflito bíblico entre Deus, aqui sendo representado por Yaldabaoth, e Lúcifer, representado por Satanael.

Com sua nova Persona invocada, o Protagonista utiliza a única habilidade disponível: “Projétil Pecaminoso”, descrita como “uma bala feita a partir dos Sete Pecados Capitais capaz de atravessar até mesmo um deus” (Figura 36, tradução nossa), num gesto de oposição ao comportamento de Yaldabaoth, que sugere que os males dos seres humanos são os desejos, resumidos pela noção dos Pecados Capitais. 


Figura 36 - Projétil Pecaminoso

Fonte: ATLUS, 2017


Então, Satanael dispara contra a cabeça de Yaldabaoth (Figura 37), cumprindo sua revolução ao eliminar o deus do controle e outorgar, mais uma vez, o livre arbítrio à humanidade. 


Figura 37 - O disparo final

Fonte: ATLUS, 2017

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível concluir através do levantamento teórico apresentado e da análise realizada acerca do jogo eletrônico Persona 5 que pode de fato existir uma ligação mais estreita entre literatura e outros suportes, especialmente no caso dos videogames, ultrapassando a ideia de adaptação fiel, o que permite, dentro dos estudos literários, aproximar as duas mídias a partir de elementos comuns à narrativa como é o caso do espaço e da construção de personagens. 

Em nosso objeto de análise, verificamos uma aproximação desses elementos com as literaturas romântica e gótica através de postulados teóricos-críticos de especialistas acerca do duplo, da transformação da imagem do diabo após a Revolução Francesa, do cenário e do imaginário góticos e do herói romântico.

Além dessas aproximações, notou-se referências diretas à literatura por meio de nomes e de adaptações de personagens já consagrados na literatura mundial.

Mediante o exposto ao longo dessa pesquisa, espera-se que, com esse trabalho, as relações envolvendo literatura e jogos eletrônicos tenham sido estreitadas, permitindo, no futuro, um aprofundamento desse estudo, bem como a realização de mais problematizações envolvendo essas duas linguagens.

REFERÊNCIAS


AGUIAR e SILVA, V. M. Teoria da Literatura. 3. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1973.


ATLUS U.S.A. Inc. Persona 5. PlayStation 4. Irvine: Sega, 2017.


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CANDIDO, A. A personagem do romance. In: CANDIDO, A.; ROSENFELD, A.; PRADO, D. de A.; GOMES, P. E. S. A personagem de ficção. 13. ed. São Paulo: Perspectiva, 2018. p. 51-80.


CUNHA, C. DUPLO - E-Dicionário de Termos Literários. 2009. Disponível em: http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/duplo/. Acesso em: 06 out. 2019.


FREUD. S. Freud (1917-1920) “O homem dos lobos” e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.


HATTNHER, A. L. Quem mexeu no meu texto? Observações sobre literatura e sua adaptação para outros suportes textuais. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 16, p. 145-55, 2010. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/122303. Acesso em: 19 out. 2019.

HOGLE, J. Introduction: the Gothic in western culture. In: THE CAMBRIDGE Companion to Gothic Fiction. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p.1-20.


JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.


LEBLANC, M. O ladrão de casaca: as primeiras aventuras de Arsène Lupin. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. 


MUCHEMBLED, R. Uma história do diabo: séculos XII-XX. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2001.


THE ART of Persona 5. Indianapolis: Prima Games, 2017.


VASCONCELOS, S. G. Romance gótico: persistência do romanesco. In: Dez lições: sobre o romance inglês do século XVIII. São Paulo: Boitempo, 2002. p. 118-35.



BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


BRAIT, B. A personagem. São Paulo: Editora Contexto, 2017.


RIBEIRO, I. M. Sob a égide da vaidade e da arte: aproximações entre Érico Veríssimo e Oscar Wilde. Uberlândia: EDUFU, 2017.

Comentários

  1. Excelente TCC, texto muito bem feito e interessante. Foi uma leitura fascinante. Parabéns.

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